terça-feira, 22 de outubro de 2013

POÉTICAS DO DIA-DIA - Uma Cidade que Abandona Seus Monumentos, é uma Mente que Apaga suas Memórias Deliberadamente.

(…) Obras espalhadas pela cidade penam com degradação e falta de cuidadoPara Mario Cravo Jr., autor do Monumento a Clériston Andrade, incendiado no domingo passado, existe um descaso em relação às obras de arte da cidade

Clarissa Pacheco
clarissa.pacheco@redebahia.com.brO vendedor ambulante Cleudo Alves da Silva, de 40 anos, trabalha há 15 na Praça Duque de Caxias, no Comércio. Ele está acostumado à vista do monumento em homenagem à Associação Ibero-Americana de Câmaras de Comércio, mas não se recorda da última vez em que viu a obra em bom estado. “Manutenção aqui? Nunca”. As duas mãos entrelaçadas, com mapas das Américas do Sul e Central, além da Península Ibérica, estão com a pintura dourada desgastada. Parte da escultura foi pintada de verde, há frases pichadas, riscos, arranhões e até nomes de casais escritos sobre o metal.(…)
Fonte: Correio


Salvador, não ama a arte pública, fato!
Conhecida pelos seus próprios habitantes pelos lindos monumentos que compunham o cenário físico da cidade, a capital da Bahia hoje é um conglomerado de ruas sujas, muros pichados, becos e vielas redutos de consumo de crack e pelos seus monumentos degradados sejam pela memória ou pelo vandalismo.

Fonte: Correio da Bahia


Eu, enquanto artista plástico posso tecer duas óticas (ambas terríveis) sobre a degradação da memória artística da cidade. A primeira, no que tange a degradação do patrimônio público, resulta em um descaso dos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio artístico e cultural. você já veio ao Pelourinho? Não? Então venha. Mas não se arrependa! O tradicional cartão postal de Salvador hoje é guarnecido por apenas sete policiais (isso mesmo) que não dão conta do imenso número de furtos, roubos de carro e consumo de crack abertamente. Me refiro o Pelourinho para ilustrar a situação que o patrimônio artístico e histórico vem sofrendo.

Enquanto Eliana Kertéz expõe em Brasília, as Gordinha de Ondina vão penando pela falta de cuidado. Fonte: Correio da Bahia.


Não é incomum ver moradores de rua, se alojando perto de monumentos ou até dentro deles, na tentativa de se protegerem do frio ou da agressão de outros tornando esses espaços perfeitos para a aglomeração de comunidades de moradores de rua e, em alguns casos, de pequenos criminosos comuns. É o caso do rapaz estudante da UFBA que morreu no Jardim Campo Grande assassinado por dois supostos moradores de rua. Eu mesmo, com alguns colegas, ao sair da Escola de Belas Artes íamos às quintas para o jardim para tocar violão e beber vinho e já chegou ao ponto do policial responsável pela segurança da praça nos dizer "Ou fica dentro ou fica fora. Meia noite fecha pra todo mundo.". Não questiono o fato de fecharem a praça, isso é até aceitável para não sobrecarregar as unidades da polícia com uma vigília de um lugar que pode ser lacrado para a preservação de seu conteúdo que diga-se de passagem, custou cara sua reforma na época do governo de ACM, o que acabou desconfigurando o desenho original da praça, mas isso era marca dele, vide a praça da Inglaterra no Comércio.

Não adiantou o Siron Franco reclamar. Deixaram até o último painel ser arrancado e nada foi feito para preservar sua obra, que é nossa também. Fonte: Correio da Bahia


Não se desenvolvem políticas públicas de preservação do conjunto de monumentos espalhados pela cidade. O motivo? Cuidar de arte custa caro, e no caso de degradação das mesmas é mais fácil colocar a culpa na gestão anterior e está tudo bem. De fato, vem funcionando essa estratégia nefasta de embate político há mais de 20 anos e nada se resolve. As obras do Professor e Artista Visual Juarez Paraíso são um exemplo claro. Se você for ao CAB (Centro Administrativo), na Avenida Paralela, verá um dos seus mais lindos murais completamente desmembrado, sem contar que sua obra já foi vitimada outras vezes por intolerância religiosa. Feliz é a Professora e Artista Visual Nanci Novais que tem obra no CAB mas, devido ao abrigo em que ela se encontra acaba sendo preservada não pelo rico valor artístico mas por ser tratada como um móvel ( a pesada proteção policial no local).

Obra de Mario Cravo Jr., o Monumento em homenagem à Clériston Andrade pegou fogo no domingo (20). Suspeitam que o incêndio seja de origem criminosa. Fonte: Correio da Bahia.


Outra ótica, como disse anteriormente é a do feedback do cidadão. Essa peça fundamental para a preservação e conservação da obra não se preocupa pela perpetuação da memória e isso é fato. Vejo pessoas que urinam no monumentos, que depredam, picham, se apenas falasse mal, mas precisam agredir e sujar. O Carnaval é a prova disso, ou estou mentindo? Mesmo com tapumes e toda pseudo-proteção ao redor das obras, ainda assim elas são alvo de latas de cerveja (às vezes com líquidos diferentes dentro da lata). E o que resulta isso tudo? "Maldita cidade suja, tenho nojo daqui!". Isso mesmo, o descaso moral criado pela falta de esforço em preservar o ambiente em que se vive. Um esforço que deve ser coletivo, até porque não podemos depender do poder público para tudo como a história ensina.

Fonte: Correio da Bahia


Agora, para 2014, algumas obras serão restauradas às pressas para que Salvador não pareça tão abandonada, até porque as obras que serão alvo desses restauros relâmpago estarão no circuito da turistada que virá ver a Copa do Mundo. Enfim, voltamos ao Festival de Maquiagem Urbana da Grande Soterópolis que visa mascarar os problemas reais transformando a capital em uma cidade cinematográfica para que os visitantes não vejam como ela está, de fato. Lamentável!

Arena Fonte Nova: Milhões para se construir um "coliseu" cercado de patrimônio depredado e mal conservado.


Poderíamos fazer muito mais com os milhões da reforma da Fonte Nova na conservação do patrimônio artístico e cultural da cidade e ainda atrairíamos mais turistas que o usual sem a dor de cabeça de termos ruas interditadas para a execução dos jogos. Depois que os convidados vão embora, somos nós quem limpamos a sujeira da festa.


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