É comum no dia a dia, nos posicionarmos frente a questões de ordem política, cultural, econômica e social de uma maneira extremada e isso fica evidente nas redes sociais. Na maioria dos casos, muitas opiniões sobre acontecimentos noticiados demonstram a indignação dos usuários, evidente que, quem não irá se indignar com o relato de algum episódio grave de violência, injustiça ou impunidade? Por outro lado, chama atenção a maneira de expressar a indignação através de comentários que se configuram em opiniões de tendências notadamente fascistas. Manifestações de idéias totalizantes, recheadas de uma moral embotada e desgastada, repleta de preconceito e violência; seria a violência, por exemplo, a melhor forma de combater a violência? A resposta parece clara ao buscar na opinião disseminada pelas redes sociais.
Cito a violência, pois, no momento o assunto mais comentado
e compartilhado é a ação frustrada de um bandido ao tentar roubar uma moto em
plena luz do dia; logo após tomar o veiculo do proprietário, o assaltante é
pego de surpresa por um policial de passagem após o serviço; notando o evento
em curso, exerce sua função como profissional de segurança neutralizando o
bandido e garantindo a proteção da vida do cidadão e do seu patrimônio; uma
ação bem sucedida, diga-se de passagem, por outro lado, o que venho questionar
não é a ação em si e sim, a nossa reação frente ao episódio. Uma frase que
resume grande parte dos comentários: “bandido bom, é bandido morto!”. Isso é
praticamente um mantra em nossa sociedade e por trás deste mantra, está todo
nosso fascismo, reacionarismo e anacronismo para lidar com temas que envolvem
nossas mazelas sociais. Estamos habituados a fazermos julgamentos pautados em
valores morais tacanhos, sem nos darmos ao trabalho de refletirmos criticamente
sobre o que antecede a imersão de um individuo ao mundo do crime (por exemplo);
seria por uma condição ligada a uma pobreza de valores ou, questões intrínsecas
a um ambiente pobre de elementos verdadeiramente significativos para que ele
pudesse ter o PODER de escolha? O fim de todos a margem da lei tem endereço, o
cemitério. Talvez os defensores da meritocracia tenham a resposta. A minha
sanidade e meu juízo contaminado pelo esquerdismo será acusada de defender
bandido.
Somos violentos e cruéis em nossos julgamentos, queremos
sacrifícios em prol de um moral e visão de mundo beligerante e assassina; nossa
violência não se traduz apenas em balas e execução de foras da lei, mas, por
palavras, palavras que matam e humilham e não precisa ser ladrão de moto.
Recentemente tivemos o caso da mulher que acusou jogadores do Vitória de
tentativa de estupro, qual foi o julgamento (moral) da sociedade? Alguém
procurou ler os comentários? Nem irei reproduzi-los aqui. Depois foi noticiado
que não havia evidências persuasivas que comprovasse a tentativa de estupro;
voltamos aos comentários, após a notícia que invalidava a acusação, o que
encontramos? Comentários que só revelam outra característica comportamental
nossa, o machismo.
Esmagamos contra a parede tudo aquilo que nos escapa
enquanto idéia dominante de moral, verdade, ordem, sexo, costume; somos
totalizantes, ou seja, fascistas do ponto de vista conceitual, até porque
buscamos institucionalizar todas estas idéias totalizantes como forma de
garantir a manutenção de nossa ordem. Um exemplo? Cura gay. E o que dizer da
redução da maior idade penal?
Em “Anti – Édipo: Uma introdução à vida não fascista”, texto
que prefacia o Anti – Édipo de Deleuze e Guattari, Foucault ao longo do texto
nos oferece algumas perguntas e uma delas diz: “Como caçar o fascismo que se
incrustou em nosso comportamento?”. Mais a frente, ele sugere alguns pontos de
reflexão para nos desfazermos desta atitude fascista para com as coisas e
reproduzo a seguinte:
“Libere a ação política de toda a forma de paranóia unitária
e totalizante. Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação,
justaposição e disjunção, antes que por submissão e hierarquização do
pensamento. Libere-se das velhas categorias do negativo (a lei, o limite, a
castração, a falta, a lacuna) que o pensamento ocidental por tanto tempo
manteve sagrado enquanto forma de poder e modo de acesso a realidade.”
Nada disso é fácil de praticar, não é fácil abrirmos mão
daquilo que deu “certo” e nos trouxe até aqui. Por outro lado, repensar nossas
práticas, deduzo, tem o poder de nos levar mais a frente, já estamos presos no
mesmo lugar há um longo tempo. A violência não soluciona o problema da
educação, da saúde, da falta de ética na política muito menos a própria
violência. Vejo a disputa de projetos totalizantes no tabuleiro, pequenos
fascistas versus pequenos fascistas. Seguindo por este norte não temos MORAL
para MORALIZAR nada e dificilmente chegaremos a algum lugar digno, para que
possamos dizer ao fim de uma etapa: avançamos enquanto sociedade, enquanto
povo, enquanto nação.
Ricardo Oliveira - Psicólogo
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