quinta-feira, 31 de outubro de 2013

MARGEM DE ÓTICA: Diabolus et Mulier.

Antes de qualquer coisa esse texto não visa justificar e nem concentrar toda a violência contra a mulher tendo está como causa central ou principal, mas sim fazer uma analise simbólica com apoio da psicologia Junguiana e um toque de acidez sobre o medo do masculino perante o feminino e o possível reflexo na violência social e doméstica mesmo em tempos de relevantes conquistas do feminismo.

Provavelmente para a mulher ocidental frente a uma sociedade regida principalmente pelos valores cristãos, o infortúnio começou ainda quando Adão e Eva perambulavam pelo paraíso, já que ela deu ouvidos à serpente da árvore do fruto proibido e não só comeu o tal fruto como ofereceu ao Adão, que muito otário, comeu também. Aliás, Adão, muito homem e corajoso, logo que Deus perguntou por que comera do fruto, culpou a mulher – se em Eva nasceu à primeira mulher a fazer besteira, com certeza em Adão nasceu o primeiro X9.   

E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses?
Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi.

 Aí que começa toda a história da humanidade segundo a Bíblia e a mulher, apontada pelo primeiro X9, levando toda a culpa que recairá sobre todas as suas herdeiras por ter sido enganada pela serpente - que sabe-se lá quem foi que colocou no paraíso. Não o suficiente os cristãos excluíram-na da formação Pai-Filho-Espírito Santo e da Santa Ceia, e justamente por não terem sido convidadas ao banquete de pão e água de Jesus que o finado papa polonês João Paulo II justificou o fato de mulheres não terem direito ao sacerdócio. 

Já para o médico suíço Carl Gustav Jung (1875 – 1961), os cristãos omitiram um quarto elemento, mesmo tendo discussões seculares sobre o tema. Segundo médico suíço a formação da Santa Trindade simbolizam os aspectos do consciente enquanto que o quarto elemento seria do aspecto inferior (não em juízo de valor, mas como do mundo interno, ou seja, o inconsciente), este quarto que Jung citando Goethe diz “pensar por todos os outros”. Jung foi buscar esse pensamento (não só) na filosofia antiga, entre os pitagóricos e o juramento tetraktys, que bebia dos helênicos e que se espalhou por diversas culturas ao redor do mundo como sendo um arquétipo global e atemporal como julgamento da totalidade (quatro pontos cardeais, quatro castas na Índia e quatro caminhos para a evolução espiritual no budismo).

Então por que o cristianismo não levou o quarto elemento? Jung propôs que o conceito trinitário de Platão fosse similar ao cristão, ao qual este atribuía as qualidades do Bem e do Belo, assim retirando o Mal e o Imperfeito. Na lógica cristã o Mal é a privatio boni – a privação de um bem, o que nesta formula clássica nega que o Mal tenha existência absoluta e o transforma em sombra que goza somente de uma existência relativa dependente da luz. Após um aprofundamento sobre o tema Jung também nos leva a reflexões acerca do simbolismo do Bem e do Mal contidos no paradigma cristão e em sua formula quaternária, em que a maioria, com um pequeno empurrãozinho, pode notar que o Mal é sobre Lúcifer, o Diabo ou o Demônio – como preferir.

Mas aonde entra a mulher nesse tema? A iconologia da Idade Média desenvolvendo as especulações sobre a Mãe de Deus (ou Jesus), imaginou um símbolo quaternário, mediante a coroação de Maria e o introduziu levemente no lugar da Trindade, significando que o corpo e a alma de Maria foi ao céu. Está é hoje uma doutrina aceita pela Igreja, embora não tenha sido fixada como dogma. Porém - no universo simbólico - Jesus obviamente ocupava um nível diferente de Maria, pois ele era também Deus enquanto Maria já que seu corpo era matéria. Desde o filosofo pitagórico Timeu o quarto elemento implica uma “realização”, ou seja, a passagem para a materialidade cósmica está submetida ao Príncipe deste Mundo. Em outras palavras, já que a Matéria é o oposto do Espírito, então está é a verdadeira morada do Diabo, com sua fornalha no interior da terra enquanto espírito paira no éter, sem problemas com a gravidade terrestre. Obviamente que seria uma leviandade dizer que Jung era machista ou feminista, mas em tempos em que se deve justificar o óbvio, digo que Jung era um homem a frente do seu tempo sem sair de seu contexto histórico, já que o mesmo propunha que o homem e a mulher devem encontrar dentro de si os seus opostos e assim irem de encontro à individuação.

Nesse processo simbólico não é de um todo estranho imaginar os fundamentos que levaram inúmeras mulheres a fogueira na Idade Média. Já que na Trindade a mulher continuou na sombra e é na sombra o Mal espreita sem ser reconhecido em nós. Durante os séculos medievais e renascentistas a Igreja conseguiu criar o arquétipo humano do Mal absoluto, encarnado nas feiticeiras do sabbat, as quais deveriam ser purificadas pelo fogo! O homem medievo temia tanto o poder feminino que quando este se punha a ter poderes através da magia criou o tribunal da Inquisição e foi até aonde o vento faz a curva em busca de um X9 (herdeiros de Adão?) que denunciasse alguma mulher.

Os médicos da época medieval e renascentista seguiam a percepção cristã sobre as mulheres de que estas eram mais facilmente acessíveis ao Diabo e que através delas ele complicava a vida dos pobres homens. Durante muito tempo os médicos trabalhavam dentro do conceito dos humores e separando os homens e mulheres nos seguintes aspectos primordiais: quente e seco e úmidas e frias. Segundo o médico Laurent Joubert (1529 – 1583) “a mulher nasceu para o repouso, para a sombra, a coberto de sua casa (...) cabendo-lhe ser cuidadosa com a sua beleza natural, para com ela dar honestamente prazer a seu marido (...) é para isso que Deus criou a mulher, companheira do homem, mais bonita e pequenina, imprimindo nela um curioso desejo de conservar sua beleza a fim ser mais agradável a ele”. Joubert, homem de seu tempo e adepto do conceito dos humores dizia a cerca virtude da prudência: “acredita-se que ela seja causada pela secura, assim como a umidade e a maleabilidade causam a tolice. Por esta razão os homens são naturalmente mais sensatos que as mulheres (...)” e é por isso que “depois do jogo amoroso, que todos os homens praticam, o espírito fica abatido e eles se tornam tristes: porque não só se ressecam com ele, mas também se resfriaram, pela subtração de uma substância necessária às partes”. Mas para reafirmar o elo com todo o simbolismo cristão da época a cartada vem do livreiro e editor Guillaume Bouchet (1515 – 1594) com conhecimentos também sobre medicina afirmou que “a mulher muito bonita, está fria e úmida no segundo grau, sendo feita de matéria bem apimentada e obediente a Natureza, isto é, um signo de que ela é fecunda e pode engravidar, sendo um temperamento próprio e conveniente a isto: e por esta razão ela corresponde a todos os homens e todos os homens a desejam”. Enquanto para as feias Bouchet diz “não se amam as mulheres feias porque na maior parte das vezes elas são bruxas, pois o provérbio comum diz: feia como uma bruxa”.

Existem ainda inúmeras outras analogias feitas por médicos da época, alguns associando a questão da umidade feminina e sua fecundidade com a lua entre outras coisas. O que sobrou hoje no nosso universo simbólico foram provavelmente formas arquetípicas de mulher com a qual não sabemos lidar. Voltando a Jung, ele propunha que todo homem tem uma anima (e toda mulher um animus), que seria o representante arquetípico do gênero oposto dentro de si e é esse o simbolismo interno de mulher que serve de referência ao homem. Notando que atualmente os homens estão em conflito com os avanços das mulheres naqueles que eram seu nicho particular, esse novo modelo de mulher confronta a referência arquetípica interna e arcaica masculina construída através dos séculos e reativa o medo Inquisidor, dessa vez com a sofisticação do século XXI. Inseguros de não sermos mais necessários e da independência daquelas que deveriam fornecer o repouso do guerreiro, estamos órfãos e não sabemos para onde ir e despertaram o Diabo em nossas almas.

Que este texto sirva como uma homenagem a todas as mulheres. No meu inferno, já abracei a súcubos há muito tempo. Obrigado por existir dentro e fora de mim.






quarta-feira, 23 de outubro de 2013

MARGEM DE ÓTICA - Uma reflexão sobre a licença civil de uso de armas de fogo.



Sempre me deparo com amigos que defendem com unhas e dentes o armamento do "cidadão de bem" - coloco entre aspas por que até esse conceito de "cidadão de bem" tende ser de um cunho moral que muitas vezes tem um lado político, mas isso já é outra história. Assim, como por aqui tem uma maioria que gosta de chutar o barraco antes de qualquer dialogo e passar para as ofensas, deixarei clara a minha posição de cético com relação à política armamentista, não contra, nem a favor, mas com a dúvida de que seja uma solução para a violência. Além de quê eu sou a favor do direito que o cidadão tenha uma arma em casa se assim bem entender tal como é atualmente mas carregar armas na rua é bem diferente.

Minha reflexão vem a partir de uma série de fatores, uma dela é o crescimento vertiginoso de homicídios passionais via arma de fogo, que, aliás, para quem mora em Salvador não é nenhuma novidade... A maioria já ouviu uma história ou uma notícia de jornal tempos em tempos aparece trazendo um fato do gênero com retratos como brigas de trânsito, brigas de bar, relacionamentos e etc. O numero de usuários de armas de fogo em torno de 15 milhões e estipula-se que 8 milhões não estejam regularizados... O uso regularizado ou irregular não define o uso para os crimes de homicídios, mas com certeza evidencia a incapacidade de fiscalização. 

Outro fator que me põe cético com relação ao uso de arma de fogo é a leviandade com a morte. Como se usar ou não usar dinstinguisse a linha entre a salvação e a danação, ninguém lembra que primeiro é necessário saber usar a arma e ter a consciência além do suporte psicológico de que alguém pode perder a vida, inclusive você em uma reação a assalto há a possibilidade de que se pode errar o tiro e esse tiro atingir a pessoa errada. Um tiro não é só um tiro, a prova disso é que muitas vezes a polícia, que deveriam ser os profissionais aptos em relação a isso comete erros grotescos, vide os tiros de borracha atingindo rostos de jornalistas e mortes de inocentes em outros casos. Levando estes pontos em conta, não sei se eu teria uma arma de fogo, mas com certeza se outros usassem eu pensaria bem em investir em transporte blindado, colete balístico e etc... 

Por fim, conheço poucos episódios nos quais os civis saíram por cima no uso de armas de fogo para reagir a assaltos, primeiro por que sempre está envolvido o fator surpresa, poucos se arriscam a cometer essa espécie de crimes por volta de lugares movimentados, geralmente em lugares vazios e com o menor numero possível de presentes e quanto mais camuflado melhor e nesse caso, como acabamos sendo revistados, pode não ser tão bom ter uma arma de fogo... Mas estamos tão sedentos por sangue e justiça que garganteamos que a sua prática deve ser feita com as próprias mãos. Matemos nossos inimigos! Vestiremos a camisa com a caveira do Justiceiro e faremos das ruas a nossa imagem e semelhança, ou ela já o faz sem sairmos de casa? Estamos suando balas e o conceito de justiça está definhando e caindo na barbárie.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

REPENSANDO RELIGIÃO - O Perigo da Normatividade Religiosa


Hoje em dia é muito comum ouvir-se falar de heteronormatividade e cisnormatividade, termos que denominam o padrão aceito e imposto pela sociedade quanto a questões de orientação sexual e de gênero, respectivamente. Existe também uma normatividade étnica: em nossa sociedade, o branco é o modelo; chegamos ao ponto em que personagens de quadrinhos são de pronto considerados brancos a não ser que existam marcas bem fortes de que sejam de outros grupos étnicos. Será que esses padrões impostos existem apenas quanto a comportamento sexual e etnia?

Não mesmo. Parece que sempre existirá um status quo em todos os campos humanos; mas o quanto ele pode ser desafiado, depende do período histórico. Felizmente, parece que vivemos numa época em que as religiões podem ser questionadas; mas ainda assim existe normatividade religiosa.

Em nosso país, as religiões cristãs são o modelo de normatividade religiosa. Toda religião é constantemente comparada com as religiões cristãs, ou com as outras religiões cristãs, caso se trate de uma religião cristã. Ainda que o Brasil continue sendo um país de maioria cristã, será realmente desejável passar todas as crenças pelo crivo e pelas decisões dessa maioria? E quanto a não-crenças? O quanto é pertinente a reclamação quanto ao "Deus Está Louvado" nas notas do Real, e o uso de símbolos religiosos em repartições públicas?



Eu não preciso ser ateu (e realmente estou longe de ser ateu, apesar de defender a necessidade de visibilidade cada vez maior para os ateus) para ir contra um "Deus Seja Louvado" numa nota de dinheiro. Em primeiro lugar, eu posso ser contra por motivos religiosos; posso achar que não condiz uma saudação divina numa cédula de dinheiro, que são duas coisas separadas. Para a minha religiosidade, essa frase é ofensiva. Imagine então o quão desagradável ela deve ser para quem simplesmente não acredita em Deus, ou acredita em qualquer outra divindade que não o "Deus", título eufemístico para o Jeová judaico-cristão. Acima de tudo, mesmo que eu não me importasse com essa frase, o que tem a ver o Estado emissor da nota com religião? O Estado deve ser laico, neutro diante de todas as religiões. Não deve apoiar nem esta nem aquela religião, mas proteger a liberdade religiosa de todos os cidadãos.

Se o Estado faz estas pequenas imposições, os indivíduos e as instituições religiosas também fazem suas imposições às vezes não tão pequenas. Como membro da Instituição Religiosa Cristã X, Fulano tem um pacote de crenças que não é exatamente o mesmo que o de Sicrano, membro da Instituição Religiosa Cristã Y, e muito menos que o de Beltrano, membro da Instituição Religiosa Muçulmana Z. Ainda assim em nosso convívio social Fulano, Sicrano e Beltrano impõem uns aos outros seus pacotes de crenças, embora não obrigando à conversão uns aos outros, mas agressivamente fazendo proselitismo, tentando interferir na política estatal legislando com base nos seus pacotes de crenças específicos, e julgando uns aos outros de acordo com esses pacotes.



As diferentes religiões surgem quando alguém discorda de um ou outro ponto do pacote de crenças que lhe foi dado. Se essas pessoas ou grupos de pessoas tiveram essa liberdade, por que não o cidadão comum? Por que ele é obrigado a aceitar pacotes prontos de crenças e dogmas?

Ainda que você aceite totalmente o seu pacote de crenças, lembre que a maioria dos seus semelhantes não o fez. Cada um deles tem o seu pacote, ou sua falta de pacote, o que não quer dizer que não tenham posturas diante da religião. A chave para a boa convivência religiosa, para a aceitação da diversidade religiosa, está no questionamento.

A alguns pode parecer paradoxal que o questionamento, que fomenta polêmicas e conflitos, possa trazer paz e aceitação. Mas é justamente quando você tem a coragem de desafiar estruturas rígidas, de negar o fanatismo e a intolerância, de questionar toda essa insensatez, é que está caminhando para um muito desejável futuro de diversidade religiosa irrestrita, sem interferências agressivas de um grupo contra outro.

Nas próximas postagens tanto comentarei incidentes e eventos ligados à religião, quanto tentarei desenvolver conceitos que possam ajudar a construir esse questionamento.



Meu nome é Arthur Ferreira Jr.'., tradutor de língua inglesa, revisor, escritor e monitor de língua latina, além de estudioso informal da religiosidade humana.



Ilustrações encontradas no Google Imagens

DIVERSIFICANDO - Nossos Inimigos Estão no Poder

Referindo-me ao posicionamento do deputado Jair Bolsonaro em entrevista para o documentário da BBC de frente para Sthephen Fry, gay assumido, eu digo que é repugnante a falta de respeito, primeiro com o indivíduo que está em sua frente, te olhando no rosto e que é um dos atores do que está sendo criticado de forma ignorante pelo deputado falando sobre “os brasileiros não gostarem de homossexuais” (?).

Bem, a maioria de nós entende que Bolsonaro vende sua imagem de forma polêmica para estar na mídia, para manter seu status quo de conservador (macho alfa de costas brancas) e assim formar inquietações sociais despertando ódio, raiva e repúdio em sujeitos com algum preconceito contra homossexuais legitimando certas atitudes contra LGBTs em redes nacionais – e agora internacional – que se configuram inclusive como assédio moral.

O NOSSO PROBLEMA é que ficamos todos passivos a isso dizendo que “ele só quer aparecer”, mas enquanto ele “só aparece”, gays são assassinados por aí e ele, em seu intimo, deve se deliciar. NOSSO PROBLEMA é que “O GIGANTE ACORDOU”, mas adormeceu novamente, porque quando Cássia Eller diz que “mudaram as estações,mas nada mudou” é no sentido de que a gente pode até mudar de atitude, mas os resultados são os mesmos e aí “Bolsonaros” protagonizam o lugar de ativistas de movimentos de minorias, que lutam por uma sociedade menos narcisista e menos violenta, que são eclipsados pois não interessa à mídia. E necessário fazer leitura critica dessas personagens (folclóricas), como Bolsonaro, que aparecem e formam a imagem de nosso país, se expropriando da nossa opinião brasileira, quando diz por nós que não gostamos de gays. Onde fica nossa identidade brasileira? De que forma nosso país é vendido quando se dá voz a um sujeito desses? É verdade que pais de gays não se orgulham deles porque eles são simplesmente gays? Segundo o deputado, sim.

Não é segredo que temos uma política que ainda é extremamente machista, conservadora e homofóbica, que esqueceu (ou se negou) de caminhar e adaptar-se às novas configurações de nossa sociedade onde as pessoas exercem, com muito mais liberdade, o seu direito de se expressar e ser quem é. Eu sou gay e meus pais tem orgulho de mim por tudo que eu sou e não é nenhum político de merda que vai dizer que pais de gays não tem orgulho de seus filhos. Pátria amada, ame seus filhos pelo que eles tem a contribuir para sociedade, para a humanidade. E escandaloso foi Cazuza quando disse que “nossos inimigos estão no poder” e eles permaneceram.





POÉTICAS DO DIA-DIA - Uma Cidade que Abandona Seus Monumentos, é uma Mente que Apaga suas Memórias Deliberadamente.

(…) Obras espalhadas pela cidade penam com degradação e falta de cuidadoPara Mario Cravo Jr., autor do Monumento a Clériston Andrade, incendiado no domingo passado, existe um descaso em relação às obras de arte da cidade

Clarissa Pacheco
clarissa.pacheco@redebahia.com.brO vendedor ambulante Cleudo Alves da Silva, de 40 anos, trabalha há 15 na Praça Duque de Caxias, no Comércio. Ele está acostumado à vista do monumento em homenagem à Associação Ibero-Americana de Câmaras de Comércio, mas não se recorda da última vez em que viu a obra em bom estado. “Manutenção aqui? Nunca”. As duas mãos entrelaçadas, com mapas das Américas do Sul e Central, além da Península Ibérica, estão com a pintura dourada desgastada. Parte da escultura foi pintada de verde, há frases pichadas, riscos, arranhões e até nomes de casais escritos sobre o metal.(…)
Fonte: Correio


Salvador, não ama a arte pública, fato!
Conhecida pelos seus próprios habitantes pelos lindos monumentos que compunham o cenário físico da cidade, a capital da Bahia hoje é um conglomerado de ruas sujas, muros pichados, becos e vielas redutos de consumo de crack e pelos seus monumentos degradados sejam pela memória ou pelo vandalismo.

Fonte: Correio da Bahia


Eu, enquanto artista plástico posso tecer duas óticas (ambas terríveis) sobre a degradação da memória artística da cidade. A primeira, no que tange a degradação do patrimônio público, resulta em um descaso dos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio artístico e cultural. você já veio ao Pelourinho? Não? Então venha. Mas não se arrependa! O tradicional cartão postal de Salvador hoje é guarnecido por apenas sete policiais (isso mesmo) que não dão conta do imenso número de furtos, roubos de carro e consumo de crack abertamente. Me refiro o Pelourinho para ilustrar a situação que o patrimônio artístico e histórico vem sofrendo.

Enquanto Eliana Kertéz expõe em Brasília, as Gordinha de Ondina vão penando pela falta de cuidado. Fonte: Correio da Bahia.


Não é incomum ver moradores de rua, se alojando perto de monumentos ou até dentro deles, na tentativa de se protegerem do frio ou da agressão de outros tornando esses espaços perfeitos para a aglomeração de comunidades de moradores de rua e, em alguns casos, de pequenos criminosos comuns. É o caso do rapaz estudante da UFBA que morreu no Jardim Campo Grande assassinado por dois supostos moradores de rua. Eu mesmo, com alguns colegas, ao sair da Escola de Belas Artes íamos às quintas para o jardim para tocar violão e beber vinho e já chegou ao ponto do policial responsável pela segurança da praça nos dizer "Ou fica dentro ou fica fora. Meia noite fecha pra todo mundo.". Não questiono o fato de fecharem a praça, isso é até aceitável para não sobrecarregar as unidades da polícia com uma vigília de um lugar que pode ser lacrado para a preservação de seu conteúdo que diga-se de passagem, custou cara sua reforma na época do governo de ACM, o que acabou desconfigurando o desenho original da praça, mas isso era marca dele, vide a praça da Inglaterra no Comércio.

Não adiantou o Siron Franco reclamar. Deixaram até o último painel ser arrancado e nada foi feito para preservar sua obra, que é nossa também. Fonte: Correio da Bahia


Não se desenvolvem políticas públicas de preservação do conjunto de monumentos espalhados pela cidade. O motivo? Cuidar de arte custa caro, e no caso de degradação das mesmas é mais fácil colocar a culpa na gestão anterior e está tudo bem. De fato, vem funcionando essa estratégia nefasta de embate político há mais de 20 anos e nada se resolve. As obras do Professor e Artista Visual Juarez Paraíso são um exemplo claro. Se você for ao CAB (Centro Administrativo), na Avenida Paralela, verá um dos seus mais lindos murais completamente desmembrado, sem contar que sua obra já foi vitimada outras vezes por intolerância religiosa. Feliz é a Professora e Artista Visual Nanci Novais que tem obra no CAB mas, devido ao abrigo em que ela se encontra acaba sendo preservada não pelo rico valor artístico mas por ser tratada como um móvel ( a pesada proteção policial no local).

Obra de Mario Cravo Jr., o Monumento em homenagem à Clériston Andrade pegou fogo no domingo (20). Suspeitam que o incêndio seja de origem criminosa. Fonte: Correio da Bahia.


Outra ótica, como disse anteriormente é a do feedback do cidadão. Essa peça fundamental para a preservação e conservação da obra não se preocupa pela perpetuação da memória e isso é fato. Vejo pessoas que urinam no monumentos, que depredam, picham, se apenas falasse mal, mas precisam agredir e sujar. O Carnaval é a prova disso, ou estou mentindo? Mesmo com tapumes e toda pseudo-proteção ao redor das obras, ainda assim elas são alvo de latas de cerveja (às vezes com líquidos diferentes dentro da lata). E o que resulta isso tudo? "Maldita cidade suja, tenho nojo daqui!". Isso mesmo, o descaso moral criado pela falta de esforço em preservar o ambiente em que se vive. Um esforço que deve ser coletivo, até porque não podemos depender do poder público para tudo como a história ensina.

Fonte: Correio da Bahia


Agora, para 2014, algumas obras serão restauradas às pressas para que Salvador não pareça tão abandonada, até porque as obras que serão alvo desses restauros relâmpago estarão no circuito da turistada que virá ver a Copa do Mundo. Enfim, voltamos ao Festival de Maquiagem Urbana da Grande Soterópolis que visa mascarar os problemas reais transformando a capital em uma cidade cinematográfica para que os visitantes não vejam como ela está, de fato. Lamentável!

Arena Fonte Nova: Milhões para se construir um "coliseu" cercado de patrimônio depredado e mal conservado.


Poderíamos fazer muito mais com os milhões da reforma da Fonte Nova na conservação do patrimônio artístico e cultural da cidade e ainda atrairíamos mais turistas que o usual sem a dor de cabeça de termos ruas interditadas para a execução dos jogos. Depois que os convidados vão embora, somos nós quem limpamos a sujeira da festa.


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

POÉTICAS DO DIA-DIA - O Brasil saiu da "Rehab" de Vinicius.

Breve consideração à margem do ano assassino de 1973
Que ano mais sem critério
Esse de setenta e três…
Levou para o cemitério
Três Pablos de uma só vez.
Três Pablões, não três pablinhos
No tempo como no espaço
Pablos de muitos caminhos:
Neruda, Casals, Picasso.
Três Pablos que se empenharam
Contra o fascismo espanhol
Três Pablos que muito amaram
Três Pablos cheios de Sol.
Um trio de imensos Pablos
Em gênio e demonstração
Feita de engenho, trabalho
Pincel, arco e escrita à mão.
Três publicíssimos Pablos
Picasso, Casals, Neruda
Três Pablos de muita agenda
Três Pablos de muita ajuda.
Três líderes cuja morte
O mundo inteiro sentiu.
Ôh ano triste e sem sorte:
– Vá pra puta que o pariu!


Quando Vinícius de Moraes escreveu seu lamento pela morte de Neruda e dos não menos importantes "Pablos" (Casals e Picasso), sua alma ficou órfã também. Hoje, somos 100 vezes mais órfãos, pois além de não temos o ronco adocicado do Violoncelo de Casals, a pincelada agressiva e atraente de Picasso, nem a tátil carícia da poesia de Neruda, Vinícius nos deixou na ilusão de um Brasil onírico, sensual, cheiroso, poético e exótico, livre da selvageria do mercado consumidor, no qual você poderia tomar uma cerveja e ter direito ao horizonte, sem que as empreiteiras tomassem as orlas para construir os seus hotéis, residenciais que jamais os nativos apreciarão, apagando a identidade local com mais uma safra de produtos "mira my friend". Não sou amigo desses, desculpe.

Fico com suave batucar de Vinícius na mesa ouvindo o violão de Caymmi e paquerando Iemanjá do outro lado do mar.

Devolvam meu horizonte!
Vinicius de Moraes
Arte: Rodolfo Carvalho

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

POLÍTICA EM ANÁLISE - O Fascismo Nosso de Cada Dia

Foto: Portal R7



É comum no dia a dia, nos posicionarmos frente a questões de ordem política, cultural, econômica e social de uma maneira extremada e isso fica evidente nas redes sociais. Na maioria dos casos, muitas opiniões sobre acontecimentos noticiados demonstram a indignação dos usuários, evidente que, quem não irá se indignar com o relato de algum episódio grave de violência, injustiça ou impunidade? Por outro lado, chama atenção a maneira de expressar a indignação através de comentários que se configuram em opiniões de tendências notadamente fascistas. Manifestações de idéias totalizantes, recheadas de uma moral embotada e desgastada, repleta de preconceito e violência; seria a violência, por exemplo, a melhor forma de combater a violência? A resposta parece clara ao buscar na opinião disseminada pelas redes sociais.

Cito a violência, pois, no momento o assunto mais comentado e compartilhado é a ação frustrada de um bandido ao tentar roubar uma moto em plena luz do dia; logo após tomar o veiculo do proprietário, o assaltante é pego de surpresa por um policial de passagem após o serviço; notando o evento em curso, exerce sua função como profissional de segurança neutralizando o bandido e garantindo a proteção da vida do cidadão e do seu patrimônio; uma ação bem sucedida, diga-se de passagem, por outro lado, o que venho questionar não é a ação em si e sim, a nossa reação frente ao episódio. Uma frase que resume grande parte dos comentários: “bandido bom, é bandido morto!”. Isso é praticamente um mantra em nossa sociedade e por trás deste mantra, está todo nosso fascismo, reacionarismo e anacronismo para lidar com temas que envolvem nossas mazelas sociais. Estamos habituados a fazermos julgamentos pautados em valores morais tacanhos, sem nos darmos ao trabalho de refletirmos criticamente sobre o que antecede a imersão de um individuo ao mundo do crime (por exemplo); seria por uma condição ligada a uma pobreza de valores ou, questões intrínsecas a um ambiente pobre de elementos verdadeiramente significativos para que ele pudesse ter o PODER de escolha? O fim de todos a margem da lei tem endereço, o cemitério. Talvez os defensores da meritocracia tenham a resposta. A minha sanidade e meu juízo contaminado pelo esquerdismo será acusada de defender bandido.

Somos violentos e cruéis em nossos julgamentos, queremos sacrifícios em prol de um moral e visão de mundo beligerante e assassina; nossa violência não se traduz apenas em balas e execução de foras da lei, mas, por palavras, palavras que matam e humilham e não precisa ser ladrão de moto. Recentemente tivemos o caso da mulher que acusou jogadores do Vitória de tentativa de estupro, qual foi o julgamento (moral) da sociedade? Alguém procurou ler os comentários? Nem irei reproduzi-los aqui. Depois foi noticiado que não havia evidências persuasivas que comprovasse a tentativa de estupro; voltamos aos comentários, após a notícia que invalidava a acusação, o que encontramos? Comentários que só revelam outra característica comportamental nossa, o machismo.

Esmagamos contra a parede tudo aquilo que nos escapa enquanto idéia dominante de moral, verdade, ordem, sexo, costume; somos totalizantes, ou seja, fascistas do ponto de vista conceitual, até porque buscamos institucionalizar todas estas idéias totalizantes como forma de garantir a manutenção de nossa ordem. Um exemplo? Cura gay. E o que dizer da redução da maior idade penal?

Em “Anti – Édipo: Uma introdução à vida não fascista”, texto que prefacia o Anti – Édipo de Deleuze e Guattari, Foucault ao longo do texto nos oferece algumas perguntas e uma delas diz: “Como caçar o fascismo que se incrustou em nosso comportamento?”. Mais a frente, ele sugere alguns pontos de reflexão para nos desfazermos desta atitude fascista para com as coisas e reproduzo a seguinte:
“Libere a ação política de toda a forma de paranóia unitária e totalizante. Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, antes que por submissão e hierarquização do pensamento. Libere-se das velhas categorias do negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna) que o pensamento ocidental por tanto tempo manteve sagrado enquanto forma de poder e modo de acesso a realidade.”


Nada disso é fácil de praticar, não é fácil abrirmos mão daquilo que deu “certo” e nos trouxe até aqui. Por outro lado, repensar nossas práticas, deduzo, tem o poder de nos levar mais a frente, já estamos presos no mesmo lugar há um longo tempo. A violência não soluciona o problema da educação, da saúde, da falta de ética na política muito menos a própria violência. Vejo a disputa de projetos totalizantes no tabuleiro, pequenos fascistas versus pequenos fascistas. Seguindo por este norte não temos MORAL para MORALIZAR nada e dificilmente chegaremos a algum lugar digno, para que possamos dizer ao fim de uma etapa: avançamos enquanto sociedade, enquanto povo, enquanto nação.

Ricardo Oliveira - Psicólogo

POÉTICAS DO DIA-DIA - A Arte é Para Todos?

Sou artista visual e arte-educador e desde que iniciei oficialmente minha vida acadêmica há alguns anos, sempre me perguntei, o porquê da arte ser tão sacralizada ao mesmo tempo que é tão transcendental aos olhos das pessoas "comuns".

Me assusta o fato de museus aqui em Salvador serem tão deficientes de público enquanto em outras cidades com investimento sólido em cultura a realidade se diferencia consideravelmente. O que o museus de lá tem que os daqui não tem? E por quê as artes visuais são tão distantes das pessoas ao passo que a literatura, música, dança, teatro, mantiveram uma relação mais estreita com o público?

Talvez não haja resposta especifica pois muitos acusarão o cubismo com a complexidade imagética de Picasso, ou o Surrealismo de Magritte baseados nas leituras absurdas da psique humana, não sei ao certo, mas cada vez mais eu vejo o mesmo discurso "afffie, que coisa estranha!" ou "meu filho faz igual" e a obra a cada dia que passa dialoga menos com o público.

Não estou me referindo ao mercado como um todo, visto que muitos artistas contemporâneos tem obras significativas e de expressividade como a Patricia Piccinini e a sua leitura fortíssima e inquisidora do comportamento humano diante do incomum, ou o trabalho do Gil Vicente que gerou uma grande polêmica na Bienal de São Paulo de 2010 com desenhos que retratavam os grandes líderes mundiais ameaçados com armas na cabeça. A arte não é de impossível compreensão, ela é de difícil acesso.
http://www.bulkka.com/patricia-piccinini/


Autorretrato matando Ariel Sharon, 2005, carvão sobre papel, 200 x150 cm
Self portrait killing Ariel Sharon, 2005, charcoal on paper, 200 x 150 cm

O espaço do museu se tornou, aqui em Salvador, um espaço intimidador, e que desperta a desconfiança, principalmente em estudantes de escolas públicas que acreditam ser um lugar dedicado ao deleite das elites negando-lhes a presença. Na verdade parte disso é verdade. Durante anos as políticas públicas de investimento em arte visavam alimentar uma casta da sociedade com poder aquisitivo alto e chegar a esses lugares só tornava cada vez mais interessante, já que na época do governo Fernando Henrique foi reduzido o ensino das artes nas escolas. Um cenário, portanto não é complicado de se imaginar. O jovem que não teve o contato com arte na escola e não tem uma tradição familiar de gozo do conhecimento artístico vai despertar essa atração pela arte quando?

Defendo que a arte seja ela apresentada na forma de qualquer de suas milhares de facetas deve ser inserida com atenção no ensino fundamental e médio indiscriminadamente, seja no ensino privado ou público. A formação artística do indivíduo é fundamental para o desenvolvimento do olhar crítico do mundo que nos cerca e nos permite negar ou aceitar situações do dia-dia que nos são impostas constantemente.


Eu sou Rodolfo Carvalho, artista plástico, ilustrador e arte-educador.


Referências:

http://www.gilvicente.com.br/

http://www.patriciapiccinini.net/

http://file.org.br/?lang=pt