terça-feira, 10 de junho de 2014

Teoria dos Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos: Algumas Discrepâncias entre Brasil e Alemanha.

Recentemente conclui como aluno especial uma disciplina de mestrado em uma área totalmente alienígena para mim, porém como fruto do meu trabalho final saiu algo que combina obviamente coisas sobre as quais eu penso e um dialogo nesse âmbito entre a pátria em que nasci e a que me adotou.  


Teoria dos Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos: Algumas Discrepâncias entre Brasil e Alemanha.

No Brasil, o descumprimento de diversos direitos fundamentais torna necessária a interferência do judiciário para que os cidadãos tenham acesso a condições básicas, principalmente no que se refere a saúde, educação de qualidade e moradia. Assim, pretende-se estabelecer um dialogo entre a Teoria dos Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos, previstos na Declaração Universal. 
            Entretanto, é importante salientar que não seria possível compreender os direitos humanos e os direitos fundamentais sem contextualizar com a história, pois estes não surgem aleatóriamente, como uma descoberta repentina de uma sociedade, ou de indivíduos, mas sim foram construídos ao longo dos anos, principalmente a partir das lutas contra determinadas formas de poder (SIQUEIRA; PICIRILLO, 2009).
            Mas estre processo só foi possível, segundo Cunha (2014, p. 3) por:

“O debate constitucional do pós Segunda Grande Guerra tem focado sistematicamente a necessidade de proteção da pessoa humana e da dignidade a ela inerente. Em razão disso, as Constituições que surgiram a partir da segunda metade do século XX têm se preocupado em proclamar um Estado Democrático de Direito, construído a partir dos valores “dignidade da pessoal humana”, “cidadania”, “direitos humanos” e “bem-estar social”. Nesse passo, as Constituições contemporâneas acabaram por regular o próprio fenômeno político, estabelecendo as prioridades políticas do Estado e vinculando os programas estatais à consolidação daqueles valores.”

            Assis (2012) mostrou uma opinião similar neste caso, pois para este ocorre que importantes transformações econômicas e sociais alteraram profundamente o quadro em que se inseria o pensamento liberal. Nesse contexto, surgiu o Estado do Bem-Estar Social, tendo como caracteristicas ações positivas e intervencionistas. Consagraram assim, os direitos que consistem em direitos econômicos, sociais e culturais. Bonavides (2010 também acredita que o liberalismo dificultava a questão dos direitos fundamentais, pois “ Sua filosofia de poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade.”
            Sobre a questão dos direitos fundamentais, a principio pode se relacionar com estas questões no recorte seguinte.

A ligação primordial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, nos seus teores históricos e filosóficos, demonstrará a pertinência desses direitos, ao qual são inerentes da pessoa humana delineando toda sua universalidade como ideal. (HUMENHUK 2002, p. 1,2)


            Nos dias atuais, segundo Humenhuk (2002) estamos vivendo uma linearidade em nosso país, a globalização da política neoliberal. A globalização do modelo neoliberal, que se marca pela globalização econômica, vem a causar enorme impacto nos direitos fundamentais.
Assim, globalizar os direitos fundamentais, configura a universalização dos mesmos para que os direitos da quarta geração atinjam sua objetividade como nas duas gerações de direitos anteriores sem destituir a subjetividade da primeira geração para a consecução de um futuro melhor, sem deixar de ser uma utopia o seu reconhecimento no direito positivo interno e internacional. (HUMENHUK, 2002, p. 10)

Os direitos fundamentais vêm sendo sedimentados ao longo do tempo. O seu progressivo reconhecimento consiste num processo cumulativo, de complementaridade, não havendo supressão temporal de direitos anteriormente reconhecidos.
A história dos direitos humanos – direitos fundamentais de três gerações sucessivas e cumulativas, a saber, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos – é a história mesma da liberdade moderna, da separação e limitação de poderes, da criação de mecanismos que auxiliam o homem a concretizar valores cuja identidade jaz primeiro na Sociedade e não nas esferas do poder estatal (BONAVIDES, 2000, p. 528).

Os Direitos Fundamentais, em ótica clássica, consistem em ferramentas de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado. Sistematizados na Constituição da brasileira de 1988, há aqueles que se limitem aos elementos de seu artigo 5º, no qual se prevê os direitos e deveres coletivos e individuais. De certa modo, ali se descreve um vasto numero de Direitos Fundamentais, mas a isso não se restringem, e nem sequer à Constituição Federal ou à sua contemporaneidade (PFAFFENSELLER, 2007). Porém nas palavras de Dirley da Cunha Júnior, (2010, p. 533) “é inegável que o grau de democracia em um país mede-se precisamente pela expansão dos direitos fundamentais e por sua afirmação em juízo”. O que torna impossível dissociar democracia e efetivação dos direitos fundamentais, pois estes devem ser considerados o núcleo da democracia constitucional. 
A Constituição de 1988 avançou muito em relação aos direitos sociais. Pondo fim a uma discussão doutrinária estéril, inseriu os direitos sociais no título II que trata dos direitos fundamentais, não deixando mais qualquer dúvida quanto à natureza destes direitos: os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais, com força normativa e vinculante, que investem os seus titulares de prerrogativas de exigir do Estado as prestações positivas indispensáveis à garantia do mínimo existencial. (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 722)
Entretanto se colocarmos os Direitos Fundamentais em uma perspectiva histórica a sua definição fica mais complexa, Pfaffenseller (2007, apud BOBBIO, 1992) aponta quatro dificuldade essa forma de definição. A primeira delas seria: o fato de que a expressão "direitos do homem" é difícil de definir, pois seu conteúdo é esvaziado, além de intro introduzir termos avaliativos, os quais podem ser interpretados de acordo com a ideologia daquele que os interpretará.
“A segunda dificuldade consiste na constante mutabilidade histórica dos Direitos Fundamentais” (PFAFFENSELER, 2007 apud BOBBIO 1992). Os  direitos se modificaram ao longo do tempo e ainda se modificam, pois os contextos históricos são determinantes para os interesses da sociedade vigente e também para as suas necessidades. O que faz dos direitos serem relativos, de acordo com o seu tempo, não sendo lhes cabido a atribuição de um fundamento absoluto.
A terceira dificuldade apontada por Pfaffenseler (2007 apud BOBBIO, 1992) seria a complexidade na definição de um fundamento inquestionável, ou seja absoluto, para os Direitos Fundamentais é a questão de sua heterogeneidade, em outras palavras, se trata da existência de direitos multiplos que eventualmente até mesmo se tornam conflitantes. Determinados Direitos Fundamentais acabam sendo até mesmo atribuídos a diferentes categorias, enquanto outros se tornam válidos a todos os seres humanos.
“A última dificuldade apontada por Bobbio (1992) consiste na existência de Direitos Fundamentais que denotam liberdades, em antinomia a outros que consistem em poderes. Os primeiros exigem do Estado uma obrigação negativa, enquanto os segundos necessitam de uma atitude positiva para sua efetividade. Assim, é impossível verificar a existência de um fundamento absoluto idêntico para ambas as espécies, não havendo como construir um liame entre direitos antagônicos, pois, segundo Bobbio, "quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos." (Pfaffenseler 2007, apud BOBBIO, 1992, p. 21)

Para Roberty Alexy (211) As normas de direito fundamental são comumente caracterizadas como “princípios”, entretanto, podem ser consideradas como regras ou princípios. Segundo o mesmo autor “as normas de direitos fundamentais podem ser estatuídas de duas formas: como regras ou princípios. Entretanto, só adquirem o caráter de regra e princípio, quando forem construídas de forma a que ambos os níveis sejam nelas reunidos” (2011, p.141). Entretanto Alexy faz diversas críticas a questão das regras e princípios que formam as normas de Direitos Fundamentais, mas concluí arrematando:

Um modelo adequado é obtido somente quando às disposições de direitos fundamentais são atribuídos tanto regras quanto princípios. Ambos são reunidos em uma norma constitucional de caráter duplo (ALEXY, 2011, p. 144).

Não seria incomum notar a dificuldade de separar a questão dos direitos humanos, do que foi dito anteriormente sobre os direitos fundamentais, sobre isso Siqueira e Piccirillo (2009) fazem está observação, que embora alguns teóricos possam entender que os direitos humanos e os direitos fundamentais sejam sinônimos, existem entre elas algumas diferenças sendo necessário conceituar cada uma delas para então chegar-se as suas diferenças. Enquanto os direitos fundamentais nascem a partir do processo de positivação dos direitos humanos, a partir do reconhecimento, pelas legislações positivas de direitos considerados inerentes a pessoa humana, embora os direitos humanos sejam inerentes a própria condição humana seu reconhecimento, sua proteção é fruto de todo um processo histórico de luta contra o poder e de busca de um sentido para a humanidade (SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009).
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.  (CANOTILHO, 1998, p. 259).

Para que houvesse uma maior consistência de quais pontos constituiriam os direitos humanos foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
da  Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, que consiste em 30 artigos que reunem os principais direitos conquistados.
Apesar da existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim como a Constituição Brasileira, mesmo gozando de ser relativamente nova e ampla, é perceptível que como outros inúmeros países não garante condições básicas de sobrevivência a sua população em muitos aspectos. No Caso do Brasil, este fato é perceptível no acesso a saúde, a educação de qualidade, moradia, entre outros elementos. Estabelecendo um paralelo com a Alemanha que possui uma constituição mais sucinta, podemos perceber que a interferência do judiciário nos aspectos sociais é quase nula, uma vez que o Estado garante o direito mas ainda não o cumpre de modo pleno e igualitário.
“Os artigos 1º a 19 da Lei Fundamental de 1949 explicitam os direitos fundamentais na Alemanha. Basicamente, são reconhecidos direitos de liberdade (p. ex. liberdade religiosa, de crença, de pensamento, de expressão, de reunião etc), direitos civis (p. ex., o direito de propriedade), direitos de personalidade (p. ex., intimidade e privacidade, inviolabilidade do domicílio) e garantias processuais (p. ex., direito de petição e direito de ação judicial). O rol se assemelha, quanto à natureza, aos direitos previstos no artigo 5º, da Constituição brasileira.” (LIMA, 2007, p. 23)
A diferença marcante entre os dois sistemas, segundo Lima (2007) é o fato de que a Lei Fundamental de 1949, e ainda atual da Alemanha, não mencionar os direitos econômicos, sociais e culturais em nenhum momento em seu texto, mesmo embora tenha incorporado conceitos mais amplos e abstratos como o “Estado Social” e “dignidade da pessoa humana”. Esses conceitos são freqüentemente lembrados para fazer com que o Estado seja forçado a cumprir tarefas específicas de caráter social, ainda que não dêem margem para direitos subjetivos para sua realização. Segundo Krell (LIMA, 2007 apud KRELL 2002), a doutrina alemã se refere às normas sociais da Lei Fundamental de 1949 como “mandados” e não propriamente “direitos”18. De acordo com o mesmo autor, a Constituição brasileira, contudo, “não permite tal interpretação”, já que as normas constitucionais são, por expressa disposição constitucional, considerados como direitos fundamentais, “com todas as conseqüências dessa natureza”
O que em aparato jurídico nos faz estar em mais avançados, já que a constituição prevê um número maior de Direitos Fundamentais do que o do país europeu. No entanto o que ocorre para que estes direitos não se concretizem com eficácia? Seria ainda uma discrepância do ativismo judiciário brasileiro? Segundo Cunha Júnior (2014, p.3):
A expansão da atribuição do Juiz é, como se pretende demonstrar, uma exigência da sociedade contemporânea, que tem dele reclamado um destacado dinamismo ou ativismo na efetivação dos preceitos constitucionais, em geral; e na defesa dos direitos humanos e valores substanciais, em especial. Essa demanda social, fruto das novas condições sociais e econômicas, tem propiciado um crescente reconhecimento do fenômeno do controle judicial das políticas públicas[1], por meio de uma intervenção do Poder Judiciário na análise dos programas políticos do Estado, a fim de aferir o seu cumprimento em face dos princípios e regras da Constituição.
            Uma rápida explicação para a dificuldades de conceder os Direitos Humanos tais como os Fundamentais no Brasil pode ser o binômio “interpretação-concretização” tendo em vista que o papel do jurista, em matéria de direitos fundamentais, como coloca Paulo Bonavides (1998), não é simplesmente o ato de interpretar as normas que os da destaque, mas, sobretudo, torna-los ações concretas, em outras palavras, fazer com que eles saiam do papel e se tornem realidade.
            Uma problemática para isso talvez seja o fato de ainda ser muito recente que a própria Constituição de 1988 foi redigida em um período ainda recente, pós-regime totalitário, pois segundo Lima (2007) o período pré-88 foi nitidamente conservador e formalista, com a finalidade de assegurar o status quo.  Após 88, houve uma grande mudança de paradigma do Direito. Sob a égide da nova Constituição, o ordenamento jurídico do país teve que se adequar nitidamente e ter maior comprometimento com os Direitos Fundamentais e com as mudanças socias. Entretanto, é claro que estas mudanças não seriam de efeito imediato, a escola de Direito brasileira passou e ainda passa por uma lenta mudança de paradigma, assim como os próprios membros dos cargos que estes ocupam, uma mudança como esta não é rápida e nem simples.
“O próprio ensino jurídico torna-se mais progressista e, conseqüentemente, os profissionais do Direito, na medida em que vão assimilando esse novo espírito transformador, também se tornam menos formalistas e menos conservadores. É um saudável círculo virtuoso.” (LIMA, 2007, p.27, 28).
Por fim, Cunha Junior (2014) coloca que o Judiciário não esteá invadindo o espaço político dos demais Poderes com a construção e aplicação de seu ativismo no Brasil, porém, pela simples razão de que não existe exclusividade para espaço político num regime de cooperação de Poderes. O fato do Judiciário estar atuando deste modo é também pela questão da não atuação ou abuso dos outros Poderes (Executivo, Legislativo).
Considerações Finais:
Com o avanço do ativismo judiciário político em busca de promover o bem-estar social previsto na Constituição, as perspectivas de avanço dos Direitos Fundamentais assim como uma garantia do que é previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas é nítido que no berço, ambas as constituições tem algo em comum, enquanto a Alemanha tentou exorcizar os fantasmas do Nazismo com a Constituição de Bonn em 1949, o Brasil tentou com a Constituição de 1988 enterrar o que sobrara da Ditadura Militar no país, entretanto uma constituição não é apenas o que está escrita no papel, ela pode servir como um agente transformador, mas é necessário um tempo para que haja uma assimilação tanto dos cidadãos de seus novos direitos, quanto do próprio Judiciário para que estes se façam valer. Neste caso a Alemanha se encontra a algumas décadas a mais, pois, a Constituição, segundo Lima (2007) já faz parte dos indivíduos e há um sério compromisso com a mesma, enquanto o mesmo ainda não ocorre no Brasil.   

  
 






Referências:

ASSIS, Victor Hugo Siqueira de, O Controle Judicial das Políticas Públicas: A
Problemática da Efetivação dos Direitos Fundamentais Sociais. Journal of Law, Joaçaba, v. 13, n. 2, p. 283-296, jul./dez. 2012.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros,
1998.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle Judicial das Omissões do Poder Público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da Constituição. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Salvador:
Juspodivm, 2010.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed., rev. atual. e amp., Salvador: Editora Juspodivm, 2014.

HUMENHUK, Hewerstton. Teoria dos Direitos Fundamentais. Universidade do Oeste de Santa Catarina. Joaçaba/SC. 2002.

LIMA, George Marmelstein. Proteção Judicial dos Direitos Fundamentais: Díalogo Constitucional entre Brasil e Alemanha. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2007.  

KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha
os descaminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2002.
PFEFFENSELLER, Michelli. Teoria dos Direitos Fundamentais. Revista Jurídica, Brasília, v. 9, n. 85, jun./jul, 2007

SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5414>. Acesso em jun 2014.