Antes de qualquer coisa esse texto não visa justificar e nem concentrar toda a violência contra a mulher tendo está como causa central ou principal, mas sim fazer uma analise simbólica com apoio da psicologia Junguiana e um toque de acidez sobre o medo do masculino perante o feminino e o possível reflexo na violência social e doméstica mesmo em tempos de relevantes conquistas do feminismo.
Provavelmente para a mulher ocidental frente a uma sociedade regida principalmente pelos valores cristãos, o infortúnio começou ainda quando Adão e Eva perambulavam pelo paraíso, já que ela deu ouvidos à serpente da árvore do fruto proibido e não só comeu o tal fruto como ofereceu ao Adão, que muito otário, comeu também. Aliás, Adão, muito homem e corajoso, logo que Deus perguntou por que comera do fruto, culpou a mulher – se em Eva nasceu à primeira mulher a fazer besteira, com certeza em Adão nasceu o primeiro X9.
E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses?
Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi.
Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi.
Aí que começa toda a história da humanidade segundo a Bíblia e a mulher, apontada pelo primeiro X9, levando toda a culpa que recairá sobre todas as suas herdeiras por ter sido enganada pela serpente - que sabe-se lá quem foi que colocou no paraíso. Não o suficiente os cristãos excluíram-na da formação Pai-Filho-Espírito Santo e da Santa Ceia, e justamente por não terem sido convidadas ao banquete de pão e água de Jesus que o finado papa polonês João Paulo II justificou o fato de mulheres não terem direito ao sacerdócio.
Já para o médico suíço Carl Gustav Jung (1875 – 1961), os cristãos omitiram um quarto elemento, mesmo tendo discussões seculares sobre o tema. Segundo médico suíço a formação da Santa Trindade simbolizam os aspectos do consciente enquanto que o quarto elemento seria do aspecto inferior (não em juízo de valor, mas como do mundo interno, ou seja, o inconsciente), este quarto que Jung citando Goethe diz “pensar por todos os outros”. Jung foi buscar esse pensamento (não só) na filosofia antiga, entre os pitagóricos e o juramento tetraktys, que bebia dos helênicos e que se espalhou por diversas culturas ao redor do mundo como sendo um arquétipo global e atemporal como julgamento da totalidade (quatro pontos cardeais, quatro castas na Índia e quatro caminhos para a evolução espiritual no budismo).
Então por que o cristianismo não levou o quarto elemento? Jung propôs que o conceito trinitário de Platão fosse similar ao cristão, ao qual este atribuía as qualidades do Bem e do Belo, assim retirando o Mal e o Imperfeito. Na lógica cristã o Mal é a privatio boni – a privação de um bem, o que nesta formula clássica nega que o Mal tenha existência absoluta e o transforma em sombra que goza somente de uma existência relativa dependente da luz. Após um aprofundamento sobre o tema Jung também nos leva a reflexões acerca do simbolismo do Bem e do Mal contidos no paradigma cristão e em sua formula quaternária, em que a maioria, com um pequeno empurrãozinho, pode notar que o Mal é sobre Lúcifer, o Diabo ou o Demônio – como preferir.
Mas aonde entra a mulher nesse tema? A iconologia da Idade Média desenvolvendo as especulações sobre a Mãe de Deus (ou Jesus), imaginou um símbolo quaternário, mediante a coroação de Maria e o introduziu levemente no lugar da Trindade, significando que o corpo e a alma de Maria foi ao céu. Está é hoje uma doutrina aceita pela Igreja, embora não tenha sido fixada como dogma. Porém - no universo simbólico - Jesus obviamente ocupava um nível diferente de Maria, pois ele era também Deus enquanto Maria já que seu corpo era matéria. Desde o filosofo pitagórico Timeu o quarto elemento implica uma “realização”, ou seja, a passagem para a materialidade cósmica está submetida ao Príncipe deste Mundo. Em outras palavras, já que a Matéria é o oposto do Espírito, então está é a verdadeira morada do Diabo, com sua fornalha no interior da terra enquanto espírito paira no éter, sem problemas com a gravidade terrestre. Obviamente que seria uma leviandade dizer que Jung era machista ou feminista, mas em tempos em que se deve justificar o óbvio, digo que Jung era um homem a frente do seu tempo sem sair de seu contexto histórico, já que o mesmo propunha que o homem e a mulher devem encontrar dentro de si os seus opostos e assim irem de encontro à individuação.
Nesse processo simbólico não é de um todo estranho imaginar os fundamentos que levaram inúmeras mulheres a fogueira na Idade Média. Já que na Trindade a mulher continuou na sombra e é na sombra o Mal espreita sem ser reconhecido em nós. Durante os séculos medievais e renascentistas a Igreja conseguiu criar o arquétipo humano do Mal absoluto, encarnado nas feiticeiras do sabbat, as quais deveriam ser purificadas pelo fogo! O homem medievo temia tanto o poder feminino que quando este se punha a ter poderes através da magia criou o tribunal da Inquisição e foi até aonde o vento faz a curva em busca de um X9 (herdeiros de Adão?) que denunciasse alguma mulher.
Os médicos da época medieval e renascentista seguiam a percepção cristã sobre as mulheres de que estas eram mais facilmente acessíveis ao Diabo e que através delas ele complicava a vida dos pobres homens. Durante muito tempo os médicos trabalhavam dentro do conceito dos humores e separando os homens e mulheres nos seguintes aspectos primordiais: quente e seco e úmidas e frias. Segundo o médico Laurent Joubert (1529 – 1583) “a mulher nasceu para o repouso, para a sombra, a coberto de sua casa (...) cabendo-lhe ser cuidadosa com a sua beleza natural, para com ela dar honestamente prazer a seu marido (...) é para isso que Deus criou a mulher, companheira do homem, mais bonita e pequenina, imprimindo nela um curioso desejo de conservar sua beleza a fim ser mais agradável a ele”. Joubert, homem de seu tempo e adepto do conceito dos humores dizia a cerca virtude da prudência: “acredita-se que ela seja causada pela secura, assim como a umidade e a maleabilidade causam a tolice. Por esta razão os homens são naturalmente mais sensatos que as mulheres (...)” e é por isso que “depois do jogo amoroso, que todos os homens praticam, o espírito fica abatido e eles se tornam tristes: porque não só se ressecam com ele, mas também se resfriaram, pela subtração de uma substância necessária às partes”. Mas para reafirmar o elo com todo o simbolismo cristão da época a cartada vem do livreiro e editor Guillaume Bouchet (1515 – 1594) com conhecimentos também sobre medicina afirmou que “a mulher muito bonita, está fria e úmida no segundo grau, sendo feita de matéria bem apimentada e obediente a Natureza, isto é, um signo de que ela é fecunda e pode engravidar, sendo um temperamento próprio e conveniente a isto: e por esta razão ela corresponde a todos os homens e todos os homens a desejam”. Enquanto para as feias Bouchet diz “não se amam as mulheres feias porque na maior parte das vezes elas são bruxas, pois o provérbio comum diz: feia como uma bruxa”.

Que este texto sirva como uma homenagem a todas as mulheres. No meu inferno, já abracei a súcubos há muito tempo. Obrigado por existir dentro e fora de mim.